Guia Completo Sobre Contabilidade de Instrumentos Financeiros

por Renato Mesquita

A contabilidade de instrumentos financeiros é uma área essencial para o entendimento e a gestão adequada dos recursos de uma empresa. Trata-se de um campo que exige conhecimento técnico e atualização constante, uma vez que as normas contábeis internacionais, em especial a IFRS 9, vêm trazendo muitas mudanças nos últimos anos. Neste artigo, você será introduzido aos diversos aspectos que compõem a contabilidade de instrumentos financeiros e entenderá como aplicá-los na prática.

Além de conhecer os principais instrumentos financeiros e suas classificações, você aprenderá sobre as normas contábeis aplicáveis, como reconhecer e mensurar esses instrumentos inicialmente e subsequentemente, bem como lidará com a contabilização de perdas e a descontinuação do reconhecimento. Também veremos como o Hedge Accounting pode ser uma poderosa ferramenta para mitigação de riscos financeiros.

Os profissionais da contabilidade, investidores e gestores de portfólio encontrarão neste artigo informações valiosas que podem ajudar a melhorar suas estratégias de gestão financeira e seu entendimento sobre o setor. Com exemplos práticos e estudos de caso, nossa jornada revelará como dominar a contabilidade de instrumentos financeiros pode ser decisivo para o sucesso financeiro de qualquer organização.

Prepare-se para mergulhar em uma área da contabilidade complexa, mas extremamente relevante, que permitirá que você veja as finanças corporativas sob uma nova perspectiva. Com uma abordagem clara e objetiva, este guia é um recurso imprescindível para todos que desejam se especializar ou simplesmente compreender melhor o fascinante mundo dos instrumentos financeiros e sua contabilização.

Introdução à contabilidade de instrumentos financeiros

A contabilidade de instrumentos financeiros é um pilar fundamental dentro das finanças corporativas. Com o crescente desenvolvimento dos mercados e a complexidade dos produtos financeiros, tornou-se mais que necessária uma regulamentação e uma metodologia contábil consistente. Essa importância se reflete tanto na avaliação correta dos ativos e passivos, quanto na transparência que se transmite aos investidores e outros stakeholders.

Os instrumentos financeiros podem ser divididos em várias categorias, como ativos financeiros, passivos financeiros e instrumentos de patrimônio. Sob a ótica contábil, eles são registrados e mensurados seguindo princípios que buscam retratar da maneira mais fidedigna possível a realidade econômica das transações. Isso inclui avaliar os riscos associados a esses instrumentos, tais como flutuações no mercado, risco de crédito, liquidez, entre outros.

Com o objetivo de padronizar essa contabilidade em escala global, o International Accounting Standards Board (IASB) desenvolveu a norma IFRS 9, que trata do reconhecimento e mensuração dos instrumentos financeiros. Essa norma substituiu a anterior, IAS 39, trazendo simplificações e um modelo mais intuitivo de perdas por impairment, além de regulamentar o hedge accounting de forma mais eficaz.

O entendimento destes conceitos é crucial, pois impacta diretamente na forma como uma empresa reporta seu desempenho financeiro. A correta aplicação das regras pode levar a uma melhor avaliação por parte do mercado, facilitando o acesso a financiamentos e influenciando na confiança dos investidores.

Entendendo os principais instrumentos financeiros e suas classificações

Instrumentos financeiros são contratos que dão origem, simultaneamente, a um ativo financeiro de uma empresa e a um passivo financeiro ou instrumento de patrimônio de outra empresa. Dominar a classificação e as características desses instrumentos é imprescindível para os profissionais da área de contabilidade e finanças. A classificação influencia diretamente na maneira como esses instrumentos são mensurados e reportados nos demonstrativos financeiros.

Os instrumentos financeiros são classificados, geralmente, em quatro categorias principais:

  1. Ativos financeiros: incluem dinheiro, participações acionárias, direitos a receber em dinheiro (como contas a receber, empréstimos e depósitos), entre outros.
  2. Passivos financeiros: compreendem obrigações de entregar dinheiro (incluindo contas a pagar, empréstimos e financiamentos) ou outro ativo financeiro.
  3. Instrumentos de patrimônio: representam contratos que evidenciam uma participação residual nos ativos de uma entidade após a dedução de todos os seus passivos.
  4. Derivativos: são instrumentos financeiros que derivam seu valor de outro ativo, índice ou taxa (como opções, futuros e swaps).

A mensuração e a classificação se baseiam em critérios que envolvem a finalidade de detenção do instrumento pela entidade, a natureza dos fluxos de caixa, a complexidade dos componentes contratuais, e se a entidade é ou não uma entidade de investimento que mensura seus ativos financeiros ao valor justo.

Por exemplo, um ativo financeiro pode ser classificado como:

  • Valor justo através do resultado: a mensuração é feita pelo valor justo, e as variações são registradas diretamente na demonstração do resultado do exercício.
  • Custo amortizado: aqui considera-se o valor de aquisição do ativo financeiro e as amortizações subsequentes.

É fundamental entender que a escolha da categorização influenciará como ganhos e perdas são reconhecidos, podendo ter um impacto significativo nos resultados reportados pela empresa.

Normas contábeis aplicáveis: Foco em IFRS 9

A IFRS 9 ‘Instrumentos Financeiros’ é a norma internacional que orienta a contabilização de instrumentos financeiros. Essa norma substituiu a IAS 39 e entrou plenamente em vigor em 1 de janeiro de 2018, estabelecendo novas regras para classificação e mensuração, perdas por impairment e hedge accounting. A aplicação da IFRS 9 é obrigatória para todas as empresas que reportam suas finanças segundo as normas internacionais de contabilidade.

A IFRS 9 é estruturada em três partes principais:

  1. Mensuração e classificação de ativos financeiros e passivos financeiros
  2. Impairment de ativos financeiros
  3. Hedge accounting

A primeira seção da norma revisa a classificação e mensuração dos ativos e passivos financeiros, introduzindo uma abordagem mais baseada em princípios e menos complexa do que a regra anterior. Um dos principais pontos da IFRS 9 é que ela requer que a classificação dos ativos financeiros seja baseada no modelo de negócios da entidade para a gestão dos instrumentos financeiros e no comportamento dos fluxos de caixa contratuais.

Na segunda parte, relacionada ao impairment, a IFRS 9 introduz um modelo de perda esperada que requer reconhecer perdas por impairment mais rapidamente do que a norma anterior. Isso significa que as entidades precisam fazer provisões para créditos duvidosos baseando-se não só em perdas ocorridas, mas também em perdas esperadas.

Por fim, a terceira parte trata do hedge accounting, que permite que as entidades alinhem a contabilidade de hedge com suas práticas de gerenciamento de riscos, promovendo uma maior compreensão dos riscos que elas estão gerenciando.

Ao aplicar a IFRS 9, as entidades podem obter demonstrações financeiras que fornecem informações úteis e representativas sobre o timing, valor e incerteza dos fluxos de caixa futuros.

Reconhecimento e mensuração inicial de instrumentos financeiros

O reconhecimento e a mensuração inicial de instrumentos financeiros são etapas críticas que determinam como os ativos e passivos serão tratados no balanço patrimonial. Segundo a IFRS 9, um instrumento financeiro deve ser reconhecido no balanço patrimonial quando uma entidade se torna parte das disposições contratuais do instrumento.

Os instrumentos financeiros são inicialmente mensurados pelo seu valor justo. Se a transação envolve a emissão ou recebimento de dinheiro, então o valor justo é normalmente igual ao valor do pagamento ou recebimento. Caso contrário, o valor justo pode ser determinado por outros métodos, como o uso de modelos de precificação.

Ao reconhecer um instrumento financeiro pela primeira vez, a entidade deve:

  1. Determinar a classificação do instrumento conforme as regras da IFRS 9.
  2. Mensurar o instrumento financeiro pelo seu valor justo.
  3. Alocar os custos de transação diretamente atribuíveis se o instrumento não for mensurado ao valor justo por meio do resultado.

Após a mensuração inicial, a contabilidade de instrumentos financeiros passa a considerar a forma como eles são mensurados subsequentemente, o que dependerá da classificação escolhida. Essa escolha deve refletir a maneira como a entidade gerencia e avalia o seu desempenho financeiro.

Mensuração subsequente e reclassificação de instrumentos financeiros

Após a mensuração inicial, a mensuração subsequente dos ativos e passivos financeiros dependerá de sua classificação. Abaixo, um exemplo da tabela de mensuração subsequente:

Categoria Mensuração Subsequente
Valor justo pelo resultado Valor justo, com mudanças no resultado do período
Custo amortizado Utilizando o método da taxa de juro efetiva
Valor justo pelo OCI Valor justo, com mudanças no OCI

Para reclassificar um instrumento financeiro, é necessário que haja uma mudança no modelo de negócio da empresa para a gestão dos seus instrumentos financeiros. Se ocorre tal mudança, a IFRS 9 exige que a empresa reclassifique todos os instrumentos financeiros afetados de maneira prospectiva.

Os critérios de mensuração e reclassificação são fundamentais para garantir que os instrumentos financeiros sejam representados de maneira apropriada nos relatórios contábeis e que as informações apresentadas aos usuários desses relatórios sejam úteis para a tomada de decisões.

Contabilização de perdas por impairment

A contabilização de perdas por impairment segundo a IFRS 9 reflete um modelo baseado em expectativas futuras de perdas creditícias. Ao invés de aguardar um evento de perda para reconhecer um impairment, as empresas devem agora reconhecer a perda esperada ao longo da vida do instrumento financeiro.

Existem três fases que determinam como a perda esperada deve ser calculada:

  1. Fase 1: Quando o instrumento financeiro é reconhecido e não apresenta aumento significativo no risco de crédito, a perda esperada é contabilizada referente a 12 meses.
  2. Fase 2: Se houver um aumento significativo no risco de crédito, mas sem default, a perda esperada passa a ser contabilizada ao longo da vida inteira do ativo.
  3. Fase 3: Quando há evidência objetiva de default, todas as perdas esperadas durante a vida do ativo são reconhecidas.

Esse modelo representa uma mudança significativa em comparação com o enfoque anterior e exige sistemas robustos de monitoramento e gestão de risco de crédito. Fatores como atrasos no pagamento, a deterioração das condições econômicas ou uma queda nos preços de garantias podem indicar um aumento no risco de crédito.

Hedge Accounting: Como mitigar riscos financeiros

O “Hedge Accounting” é uma prática que permite às empresas gerenciar a volatilidade em seus demonstrativos financeiros. Ele permite que ganhos e perdas de um instrumento de hedge (derivativos, por exemplo) sejam reconhecidos no mesmo período que os ganhos e perdas do item ou transação coberta (hedge). Seus principais objetivos são refletir os resultados da gestão de riscos e reduzir a volatilidade dos resultados financeiros.

Para se qualificar para hedge accounting, de acordo com a IFRS 9, a relação entre o instrumento de hedge e o item coberto deve atender aos seguintes critérios:

  1. Formalmente designado e documentado desde o início.
  2. Há uma alta efetividade na compensação de alterações no valor justo ou fluxos de caixa.
  3. A efetividade do hedge pode ser confiavelmente mensurada.

Além disso, a IFRS 9 melhora as regras de contabilidade de hedge permitindo que mais estratégias de gerenciamento de risco sejam elegíveis para hedge accounting. Isso proporciona uma melhor representação das atividades de risco de gestão em demonstrativos financeiros.

Descontinuação do reconhecimento de instrumentos financeiros

A descontinuação do reconhecimento de um instrumento financeiro ocorre quando os direitos contratuais aos fluxos de caixa do instrumento expiram, ou quando a empresa transfere o instrumento financeiro e essencialmente todas os riscos e benefícios da propriedade para outra parte. É importante que esse processo seja contabilizado de maneira apropriada para assegurar a precisão dos relatórios financeiros.

Resumidamente, as etapas para descontinuação do reconhecimento de um ativo financeiro são:

  1. Considerar se os riscos e benefícios foram transferidos.
  2. Mensurar e reconhecer qualquer ganho ou perda na descontinuação.
  3. Retirar o ativo ou passivo do balanço patrimonial.

No caso de passivos financeiros, a descontinuação do reconhecimento ocorre quando a obrigação especificada no contrato for desobrigada, seja por pagamento do passivo, cancelamento ou expiração.

Divulgação e notas explicativas: Requisitos sob a IFRS

Os requisitos de divulgação para contabilidade de instrumentos financeiros sob a IFRS 9 são detalhados para garantir a transparência e proporcionar aos usuários das demonstrações financeiras informações completas sobre a importância dos instrumentos financeiros para a posição financeira, desempenho e fluxos de caixa da entidade.

As principais áreas de divulgação segundo a IFRS 9 incluem:

  • Informações qualitativas e quantitativas que permitem aos usuários avaliar a importância dos instrumentos financeiros na posição financeira e no desempenho da entidade.
  • Métodos de mensuração e gerenciamento de risco de instrumentos financeiros.
  • Informações sobre perdas por impairment de ativos financeiros.

As notas explicativas também desempenham um papel fundamental, detalhando políticas contábeis, riscos associados e estratégias de hedge. Essas informações auxiliam na interpretação dos demonstrativos e oferecem um panorama mais claro sobre a saúde financeira da empresa.

Estudo de caso: Aplicando a contabilidade de instrumentos financeiros na prática

Para ilustrar como a contabilidade de instrumentos financeiros é aplicada na prática, vamos considerar um estudo de caso de uma empresa fictícia chamada “InvestCo”. A InvestCo mantém em seu portfólio uma variedade de ativos financeiros, incluindo ações, obrigações e derivativos que usa para fins de hedge.

Vamos supor que a InvestCo tenha investido em ações de uma empresa de tecnologia e espera segurar essa participação no longo prazo. Conforme a IFRS 9, essas ações são classificadas como ativos financeiros avaliados ao valor justo por meio do resultado, o que significa que as variações no valor dessas ações são reconhecidas nas demonstrações de resultado da empresa.

No mesmo ano, a InvestCo também adquiriu obrigações que pretende manter até o vencimento. Essas obrigações são classificadas ao custo amortizado e serão mensuradas de acordo com a taxa de juro efetiva ao longo do tempo.

Em termos de hedge accounting, a InvestCo usou contratos de swap de taxa de juro para se proteger contra variações nas taxas de juro que afetam o valor de suas obrigações. Para se qualificar para hedge accounting, a InvestCo precisou documentar a relação de hedge e demonstrar que a estratégia é altamente eficaz.

Este estudo de caso destaca como uma mesma empresa pode usar diferentes classificações e estratégias de mensuração para diferentes tipos de instrumentos financeiros, dependendo de suas intenções de gestão e das expectativas de risco e retorno.

Conclusão

A contabilidade de instrumentos financeiros é uma área da contabilidade técnica e desafiadora, mas também crucial para a transparência e a precisão dos relatórios financeiros. A adesão às normas internacionais, em especial a IFRS 9, permite às empresas representar fielmente a realidade econômica de suas operações financeiras.

Profissionais de contabilidade devem se manter atualizados com as últimas práticas e regulamentos, pois maus entendimentos ou aplicações incorretas podem ter consequências significativas nas demonstrações financeiras e, consequentemente, na percepção do mercado sobre a empresa.

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