Guia Completo da Contabilidade em Contratos de Construção

por Renato Mesquita

A contabilidade nos contratos de construção não é apenas um elemento de controle financeiro, mas também um pilar estratégico para a gestão e sucesso de projetos de engenharia civil. Com uma abordagem multidisciplinar, que envolve desde noções de direito contratual até conhecimentos avançados de contabilidade gerencial, os profissionais da área são desafiados diariamente a adotar as melhores práticas para assegurar a transparência e a eficiência na alocação de recursos em projetos de construção.

Atendendo aos prazos, especificações técnicas, e acima de tudo, à regulamentação fiscal e contábil, os contratos de construção exigem um minucioso acompanhamento contábil. Isso porque a natureza do trabalho na construção civil – muitas vezes longo e com diversas variáveis – pode oferecer riscos significativos que afetam diretamente a saúde financeira das empresas do setor. A adoção das normas adequadas e a realização de práticas contábeis corretas são essenciais para o reconhecimento de receitas, gestão de custos e apresentação de relatórios financeiros coerentes e confiáveis.

Com a implementação do CPC 17 – Contrato de Construção e a influência de normas internacionais como a IFRS 15, os profissionais da área contábil voltados ao setor de construção devem estar sempre atualizados. Tais diretrizes oferecem um caminho a ser seguido e trazem mais precisão ao tratamento contábil dos elementos que compõem os contratos de construção, como custos, receitas, variações contratuais, reivindicações e incentivos.

Dessa forma, o presente artigo oferece um guia completo cobrindo os aspectos essenciais da contabilidade em contratos de construção. Através de uma abordagem didática e abrangente, serão discutidos os princípios contábeis aplicados, o gerenciamento de custos, as mudanças trazidas pela implementação de novas normas e os desafios enfrentados na área, além de um estudo de caso prático para solidificar o conhecimento.

Introdução à contabilidade de contratos de construção

A contabilidade de contratos de construção apresenta características próprias decorrentes da natureza dos projetos de construção civil. Geralmente, tais projetos são de longa duração e envolvem uma série de atividades complexas e interdependentes. A necessidade de um controle contábil específico surge da variação de custos, prazos e especificações que esses contratos normalmente apresentam.

É comum que, ao longo de um projeto de construção, ocorram ajustes no escopo do trabalho, o que pode alterar consideravelmente o orçamento inicial e os resultados financeiros esperados. Portanto, é essencial que a contabilidade nesse contexto seja capaz de refletir essas mudanças de forma transparente e em tempo hábil, permitindo que as empresas tomem decisões informadas e adequadas à realidade do projeto.

Outro ponto de destaque na contabilidade de contratos de construção é o reconhecimento de receitas, que deve ser feito de acordo com a evolução do trabalho. O chamado “método da percentagem de acabamento” é frequentemente utilizado para mensurar o estágio de conclusão do contrato, permitindo assim uma alocação justa de custos e receitas ao longo da execução do projeto.

Além disso, a contabilidade precisa lidar com os riscos associados à construção, tais como atrasos, falhas de execução, questões legais e outros imprevistos que podem afetar as demonstrações financeiras. Assim, uma gestão de riscos efetiva e integrada às práticas contábeis é fundamental para a sustentabilidade e lucratividade dos contratos de construção.

Entendendo o CPC 17 – Contratos de Construção

O CPC 17 é uma norma contábil vigente no Brasil, que dispõe sobre o tratamento de contratos de construção. Ela alinha-se às normas internacionais de contabilidade e tem como objetivo padronizar a forma como as informações sobre contratos de construção são registradas e divulgadas nas demonstrações financeiras.

De forma simplificada, essa norma estabelece critérios para o reconhecimento de receitas e despesas relacionadas a contratos de construção. Um dos aspectos principais é o reconhecimento da receita com base no estágio de acabamento do projeto, também conhecido como método do percentual de conclusão. Essa abordagem assegura que a receita seja reconhecida de maneira proporcional ao progresso físico do projeto.

Aspecto do CPC 17 Descrição
Reconhecimento de Receita Baseado no estágio de acabamento do projeto.
Custos do Contrato Devem ser reconhecidos conforme incorridos.
Incertezas Exige análise contínua das estimativas do contrato.

Com o CPC 17, espera-se uma maior transparência e uniformidade nas informações relatadas, permitindo comparabilidade e interpretação correta por parte de investidores, credores e outros usuários das demonstrações financeiras. A norma também requer divulgações detalhadas, como a descrição dos contratos, o estágio de conclusão, os métodos utilizados para determinar os estágios de conclusão e as estimativas de receitas e custos futuros.

Além disso, em situações onde haja incerteza sobre a cobrança da receita devido a litígios ou outros fatores, o CPC 17 orienta que sejam feitas provisões para perdas esperadas. Desse modo, os usuários das demonstrações financeiras têm uma visão realista e conservadora do resultado do contrato.

Os princípios básicos da contabilidade em contratos de construção

Os princípios básicos seguidos na contabilidade para contratos de construção são a base para uma gestão financeira eficiente e para o cumprimento das normas contábeis aplicáveis. Eles asseguram que os relatórios financeiros reflitam de forma fidedigna a realidade econômica dos contratos, fornecendo informações chave aos diversos stakeholders envolvidos.

O primeiro desses princípios é o reconhecimento de receitas e despesas com base no progresso do projeto (percentual de conclusão). Este princípio permite que o resultado das operações seja refletido de forma mais equânime nas demonstrações financeiras, em vez de reconhecer a receita apenas no final do contrato, o que poderia distorcer a real situação financeira da empresa durante o período contábil.

Outro princípio importante é a correspondência, ou “matching”, que visa associar as despesas incorridas a receitas específicas, garantindo que os resultados dos períodos contábeis sejam realmente representativos. Isso é essencial em contratos de longo prazo, onde os custos e receitas devem ser reconhecidos no mesmo período em que são gerados.

Há também a prudência, que preconiza a ideia de não superestimar receitas ou subestimar despesas e obrigações. Dada a natureza incerta dos projetos de construção, com muitas variáveis em jogo, os contadores devem ter cautela ao fazer estimativas e reconhecer receitas, sempre pendendo para o lado da conservadorismo em caso de incerteza.

Finalmente, esses princípios devem ser aplicados de forma consistente ao longo do tempo e nas diferentes obras para que se garanta a comparabilidade das demonstrações financeiras. Mudanças na aplicação dos princípios contábeis podem ser feitas, mas devem ser devidamente justificadas e divulgadas.

Como calcular e reconhecer as receitas em contratos de construção

O cálculo e o reconhecimento das receitas em contratos de construção são desafiadores devido à duração e complexidade dos projetos. A norma CPC 17 proporciona um framework para esse processo, orientando como as receitas devem ser mensuradas e reconhecidas ao longo do período do contrato.

Inicialmente, é necessário calcular o valor total do contrato, que inclui tanto o preço originalmente acordado quanto ajustes por cláusulas de reajuste de preço, variações no escopo ou outras modificações contratuais. Em seguida, baseia-se no método do percentual de conclusão para apurar a receita que pode ser reconhecida a cada período.

Fase Ação
1. Cálculo do contrato total Somar o preço original e os ajustes.
2. Estimativa de custos totais Projetar os custos a serem incorridos até o fim do contrato.
3. Determinação do percentual de conclusão Dividir os custos incorridos até a data pelos custos totais estimados.
4. Reconhecimento da receita Aplicar o percentual de conclusão ao valor total do contrato para encontrar a receita a ser reconhecida.

Por exemplo, se um contrato avaliado em R$ 100 milhões está com 40% concluído, e esse percentual é baseado nos custos reais em relação aos custos totais estimados, então a receita reconhecida seria de R$ 40 milhões.

É importante ressaltar que, para a aplicação correta desse método, a empresa deve ser capaz de fazer estimativas confiáveis tanto do grau de conclusão quanto dos custos a incorrer até o final do projeto. Em casos onde essas estimativas não são confiáveis, o CPC 17 estabelece que a receita deve ser reconhecida apenas na extensão dos custos contratados recuperáveis, adotando uma postura mais conservadora.

Gerenciamento de custos em projetos de construção: práticas essenciais

A gestão de custos em projetos de construção é vital para manter a viabilidade financeira e garantir a entrega bem-sucedida dos projetos. Algumas práticas são reconhecidas como essenciais para um gerenciamento eficaz:

  1. Elaboração de um Orçamento Detalhado: Antes do início de um projeto, é necessário estabelecer um orçamento detalhado que identifique todos os custos associados, desde materiais até mão-de-obra e despesas indiretas.
  2. Monitoramento e Controle de Custos: Após a elaboração do orçamento, a empresa deve monitorar os custos reais em comparação com os custos previstos, ajustando práticas para garantir alinhamento ao orçamento.
  3. Revisão de Custos Contínua: Uma revisão regular dos custos permite identificar desvios e possíveis economias, além de atualizar as projeções financeiras conforme necessário.

A estrutura de um projeto de construção pode ser dividida em várias categorias de custo, como exemplificado a seguir:

Categoria de Custo Descrição
Material Inclui todas as matérias-primas e componentes necessários para a construção.
Mão-de-obra Refere-se ao custo dos trabalhadores que atuam diretamente na obra.
Despesas Indiretas Engloba custos gerais do projeto, como aluguel de equipamento e seguros.

Ao abordar essas categorias, o gerenciamento de custos se torna mais preciso e eficiente, possibilitando que a empresa realize ajustes pontuais ao invés de alterações amplas e genéricas, que podem impactar negativamente a qualidade do projeto.

Mudanças no reconhecimento de receitas: Impactos da IFRS 15 em contratos de construção

A adoção da norma internacional IFRS 15 trouxe mudanças significativas no reconhecimento de receitas, inclusive para o setor de construção. A IFRS 15 estabelece um modelo baseado no princípio de que a receita é reconhecida ao transferir bens ou serviços aos clientes em uma quantidade que reflita o pagamento ao qual a empresa espera ter direito em troca desses bens ou serviços.

Esse novo padrão substitui as normas anteriores sobre o reconhecimento de receitas, e, apesar de trazer clareza e melhorar a comparabilidade entre entidades, também implica em desafios para o setor de construção. O impacto dessa mudança nas práticas contábeis deve ser cuidadosamente avaliado pelas empresas, que podem precisar ajustar seus processos, sistemas e controles internos para atender aos novos requisitos.

Antes da IFRS 15 Com a IFRS 15
Reconhecimento de receitas baseado no CPC 17 Modelo de reconhecimento de receitas baseado na transferência de controle
Métodos de medida possivelmente diversificados Requisitos detalhados para medir o progresso em direção à satisfação de uma obrigação de desempenho

Para contratos com várias obrigações de desempenho, como a construção de múltiplas estruturas dentro de um projeto, a IFRS 15 exige que a empresa avalie se deve reconhecer a receita para cada obrigação separadamente ou como um conjunto de obrigações. Além disso, mudanças na estimativa do valor da transação e alocação desse valor entre as obrigações de desempenho podem ter um impacto pronunciado sobre o momento e a quantidade de receita reconhecida.

Assim, é imprescindível uma reavaliação dos contratos sob a ótica da IFRS 15 e a adaptação das práticas contábeis para manter a conformidade e evitar distorções nos relatórios financeiros.

Contabilização de variações nos contratos, reivindicações e incentivos

Os contratos de construção estão sujeitos a variações, quer sejam modificações no escopo do projeto, condições de execução ou mudanças normativas. Essas variações, juntamente com eventuais reivindicações e incentivos, devem ser devidamente contabilizados para garantir a integridade das demonstrações financeiras.

Variações no contrato são ajustes no valor do contrato de construção devido a mudanças ordenadas no escopo de trabalho ou no projeto. Reivindicações são montantes que a empresa de construção busca cobrar de clientes ou terceiros pelos custos não cobertos pelo escopo original do contrato, geralmente associados a atrasos ou danos. Incentivos são bônus ou compensações adicionais estabelecidos no contrato, pagos ao empreiteiro pelo cumprimento de certos marcos, prazos ou desempenho.

É necessário avaliar se as variações e reivindicações são altamente prováveis de serem recebidas e, só então, incluí-las na mensuração do valor do contrato. Caso contrário, devem ser reconhecidas como ativos, se houver uma expectativa razoável de recuperação.

A contabilização pode ser ilustrada da seguinte maneira:

Item Reconhecimento
Variações Contratuais Incluídas na receita do contrato se aprovadas pelo cliente.
Reivindicações Reconhecidas como ativos quando existe uma negociação ou litígio a ser resolvido.
Incentivos Registrados como redução de custos ou acréscimo na receita, conforme o caso.

A adequada contabilização desses elementos é crucial não só para a correta apuração de resultados, mas também para a transparência para com os investidores e outros usuários das demonstrações financeiras.

Relatório financeiro e sua importância na construção civil

O relatório financeiro é uma ferramenta essencial na indústria da construção civil, pois fornece informações críticas sobre o desempenho financeiro e a posição da empresa. Esses relatórios permitem que os gestores, investidores e outras partes interessadas compreendam a saúde financeira do negócio e tomem decisões informadas.

Os relatórios financeiros na construção civil incluem, mas não se limitam a, o Balanço Patrimonial, a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) e a Demonstração dos Fluxos de Caixa. Através desses, pode-se acompanhar itens como:

  • Receitas e Despesas: Identificam o sucesso financeiro do projeto e a eficiência no controle de custos.
  • Ativos e Passivos: Mostram a estabilidade financeira e a capacidade de cumprir obrigações a curto e longo prazo.
  • Fluxos de Caixa: Evidenciam a liquidez do negócio e a capacidade de financiar operações e novos projetos.

O Balanço Patrimonial, por exemplo, oferece uma fotografia do que a empresa possui (ativos) e do que deve (passivos), enquanto a DRE mostra o desempenho durante um determinado período, oferecendo insights sobre a rentabilidade do negócio. Já a Demonstração dos Fluxos de Caixa evidencia as entradas e saídas de recursos, sendo útil para entender o gerenciamento de caixa e a viabilidade dos projetos.

A precisão e a tempestividade desses relatórios são cruciais, pois dados desatualizados ou incorretos podem levar a decisões equivocadas que prejudicam a empresa.

related posts

Deixe um comentário